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Cartas a um jovem inovador: as dimensões da inovação

Caro jovem,

Embora não haja uma ordem para a leitura dessas cartas, escrevo-lhe esta segunda, na intenção de que a leitura lhe traga algum benefício e, talvez, respostas.

Na certa, a pergunta fundamental que você faz a si mesmo ou constantemente lhe fazem é "por que inovar em governo?". Parece natural, embora não seja, que a inovação é uma necessidade da iniciativa privada, de mercados competitivos e, mais além, de produtos e não de serviços, muito menos os serviços governamentais.

A resposta mais sensata que encontro é dada a mim pelo Pepe, outro que aqui escreve e justifica "a inovação em governo é necessária porque os problemas atuais são complexos e inéditos". Faz sentido, principalmente quando vemos o governo tendo que enfrentar situações incomuns como terrorismo urbano, novas bactérias, facções religiosas e, sem surpresas para leitores de Castells, uma sociedade em rede altamente conectada e globalizada. Para decidir em ambiente transdisciplinar, de alta velocidade e constante mudança, a gestão do conhecimento e inovação são pré-requisitos. Em síntese, se não inovar, não governa, apenas assume cargos e responsabilidades.


A forma que, nas últimas décadas, os governos consideraram inovação em gestão ( não falo sobre a inovação em ciência e tecnologia, mas em gestão ) tem passado por algumas nomenclaturas e técnicas como racionalização, descentralização, desburocratização, modernização administrativa, informatização e, mais recentemente, no governo eletrônico, que tenta na desmaterialização de processos algum sucesso inovador. Todos trouxeram avanço e soluções para as respectivas épocas em que se aplicaram, hoje são insuficientes.

Ao iniciar a proposta de inovação, baseado nos nossos evangelistas e no que fizemos no Governo do Estado de São Paulo, começamos por definir as cinco dimensões da inovação, como exibida abaixo:


Embora singela, esta estrutura auxilia-nos a lançar as idéias, ações e projetos em dimensões específicas, inter-agentes e alinhadas a um plano geral: inovação é para todos, não competência de um ou outro departamento. Talvez seja a primeira característica que diferencia a inovação em governo das iniciativas anteriores de modernização na área pública, onde a mudança era tarefa exclusiva de especialistas.

Comecemos então a observar a figura, numa leitura em sentido horário, onde encontramos a primeira dimensão a ser abordada: a Cultura da Inovação. Diante da abordagem pedagógica, em que a cultura representa um conjunto de padrões sócio-comportamentais, neste caso assumimos a cultura da inovação como uma inserção, o ato de semear e cultivar esse conhecimento e práticas numa sociedade de servidores públicos, com valores e crenças bastante cristalizados, porém ressentidos da necessidade de mudança.

Assim, colocamos nesta dimensão as atividades de promoção do conhecimento ao tema inovação, em termos de princípios, conceitos e cases, através de palestras, encontros e grupos de estudos que, no caso do governo paulista, a principal iniciativa foi a do inovaDay, reunindo cerca de 200 servidores em modo presencial e outros 120 que assistem à transmissão online, a cada edição. Tudo isso suportado por uma rede de blogs como o iGovSaber, iGovSP e este iGovBrasil, pela hoje extinta comunidade nósGov e por canais de vídeo com entrevistas como o Persona e O que você Pensa, entre outros.

A segunda dimensão, a da Capacitação, é um pouco decorrente da primeira, só que com objetivo mais técnico, uma vez que busca instrumentalizar os servidores com ferramentas da web 2.0, ou ferramentas sociais, podendo usar desde recursos de vídeo para montagem de tutoriais para a auto-instrução, até a criação e execução de oficinas presenciais de capacitação. Um fator importante nessas iniciativas, está em monitorar suas metas e efeitos, por exemplo, amarrando o conteúdo da oficina à criação de um projeto de implantação imediata.

A dimensão seguinte, muito embora todas são praticamente concomitantes, dedica-se à Tecnologia da Inovação, no sentido de prospectar novas ferramentas e testá-las já com foco de aplicação na área pública. Uma vez adequada, poder divulgar resultados e recomendações tanto nas oficinas, quanto nos blogs e eventos de divulgação do programa. Em nosso caso, no Governo de São Paulo, ao final de cada inovaDay sempre apresentamos uma nova ferramenta social, aplicável à gestão pública, para despertar o interesse nos servidores.

A quarta dimensão talvez seja a mais desafiante - e com certeza, a mais prazerosa - é a de Projetos de Inovação. Trata-se de um ambiente incubador de soluções inovadoras para problemas reais do governo, para o qual recomendo o uso de metodologia que permita a prototipagem, o envolvimento dos prestadores de serviços e seus usuários e, enfim, a formulação conjunta e colaborativa de projetos inovadores. Atualmente nossa metodologia favorita e mais próxima para esse fim é a de Design Thinking. É importante também que a Incubadora de Projetos de Inovação dedique-se à solução com foco no usuário do serviço de governo.

Por fim, estabelece-se uma dimensão que mistura o monitoramento e controle dos fatores de sucesso das dimensões anteriores, desenvolvendo métricas específicas para essa avaliação: a Governança. É por esta dimensão que cria-se um olhar do todo, um cenário das ações de inovação e que podem ser compartilhadas para todos os envolvidos, além é claro de estabelecer regras de apoio aos projetos incubados.

Meu jovem, peço perdão por ter-me estendido tanto, assim como parecer cabotino e vaidoso ao apontar para projetos em que participei, mas a experiência é o que me faz dizer dessa forma e será sobre experiência e preparo que escreverei nossa próxima carta.

Comentários

Jo Melo disse…
Álvaro, meu caro professor, que post/artigo maravilhoso. Referência.
Alvaro Gregorio disse…
Jo, agradeço.
Também me deu a oportunidade de ver que as imagens sumiram, agora estou repondo-as.

abs

Alvaro

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