Pular para o conteúdo principal

As dimensões de um programa de inovação em governo

Na certa, a pergunta fundamental que você faz a si mesmo, ou constantemente lhe fazem, é "por que inovar em governo?". Parece natural, embora não seja, que a inovação é uma necessidade da iniciativa privada, de mercados competitivos e, mais além, de produtos e não de serviços, muito menos os serviços governamentais.

A resposta mais sensata que encontro é "a inovação em governo é necessária porque os problemas atuais são complexos e inéditos". Faz sentido, principalmente quando vemos o governo tendo que enfrentar situações incomuns como terrorismo urbano, novas bactérias, facções religiosas e uma sociedade em rede altamente conectada e globalizada. 

Nosso governo foi projetado para desempenhar tarefas com segurança, scripts elaborados para serem encenados em épocas de baixa complexidade, não adaptáveis às mudanças circunstanciais que se apresentam no nosso contemporâneo.

Para decidir nesse ambiente transdisciplinar, de alta velocidade e constante mudança, a gestão do conhecimento e inovação são pré-requisitos. Em síntese, se não inovar, não governa, apenas assume cargos e responsabilidades.

A forma que, nas últimas décadas, os governos consideraram inovação em gestão, tem passado por algumas nomenclaturas e técnicas como racionalização, descentralização, desburocratização, modernização administrativa, informatização e, mais recentemente, no governo eletrônico, que tenta na desmaterialização de processos algum sucesso inovador. Todos trouxeram avanços e soluções para as respectivas épocas em que se aplicaram, hoje são insuficientes.

Ao iniciar a proposta de inovação, começamos por definir as cinco dimensões da inovação, ilustrada a seguir:


Embora singela, esta estrutura auxilia-nos a lançar as ideias, ações e projetos em dimensões específicas, interagentes e alinhadas a um plano geral: inovação é para todos, não competência de um ou outro departamento. Talvez seja a primeira característica que diferencia a inovação em governo das iniciativas anteriores de modernização na área pública, onde a mudança era tarefa exclusiva de especialistas.

Comecemos então a observar a figura, numa leitura em sentido horário, onde encontramos a primeira dimensão a ser abordada: a Cultura da Inovação. Diante da abordagem pedagógica, em que a cultura representa um conjunto de padrões sócio-comportamentais, neste caso assumimos a cultura da inovação como uma inserção, o ato de semear e cultivar esse conhecimento e práticas numa sociedade de servidores públicos, com valores e crenças bastante cristalizados, porém ressentidos da necessidade de mudança.

É importante que a inclusão da inovação como prática de governo, seja observada pelos servidores como ampliação de conhecimento e ação, tanto pessoal quanto profissional. A tendência natural é a descrença e se isto acontecer, é por falta de assimilação da cultura de inovação, que deve ser trabalhada em cada segmento da organização respeitando o que já está estabelecido, porém fornecendo elementos para o questionamento do que deve permanecer, o que deve ser descartado e o que deve ser incluído para o bem comum.

Deve ficar claro, para todos na organização, que os dirigentes apoiam a ideia da construção coletiva do ambiente de mudança, criatividade e inovação, fazendo com que o conhecimento, presente e a ser adquirido, seja também compartilhado.

Ações de endomarketing também são benvindas, desde que não criem o sentimento de comunicação “chapa branca” entre os servidores. A franqueza é o melhor meio para o convencimento de ideias e de nada adianta promover um programa de inovação que não esteja preparado para ouvir, mais do que falar.

Recomenda-se que haja mesmo uma revisão na missão do órgão governamental. Saber qual o propósito da organização, o que se espera de cada servidor e a quem ele atende, já é um bom princípio a ser difundido pela organização; preferencialmente formulado em brainstorm e apoiado nos fundamentos da inovação, para que haja uma conexão entre os valores institucionais e a forma de melhoria contínua através desses fundamentos.

Algumas organizações privadas conseguiram inserir a inovação na cultura corporativa, apoiadas em estratégias de comunicação que estabeleciam valores expressos de forma sintética, porém inquestionáveis. A síntese da missão da organização é quase um mantra que, espalhado nos murais e dependências da empresa, espalha-se na rede de seus colaboradores e personaliza os ideais empreendedores da instituição.

Mas em nenhum caso, quer no setor privado ou público, um mantra será o bastante. É necessária a intensa semeadura de valores, conceitos e atitudes que permitam aos servidores pensar, repensar, testar, arriscar e errar, que permitam conhecer técnicas para usar o conhecimento individual e coletivo na melhoria de processos, para a criação de novos e melhores serviços, para reinventar o governo.

Assim, colocamos nesta dimensão de cultura, as atividades de promoção do conhecimento ao tema inovação, em termos de princípios, conceitos e cases, através de palestras, encontros e grupos de estudos presenciais e virtuais, fazendo uso das ferramentas de inovação que descreveremos adiante, envolvendo blogs, redes sociais e repositório de vídeos, por exemplos. É utilizando intensamente os meios de comunicação que uma nova cultura irá se desenvolver e, com sorte, contagiar.

A segunda dimensão, a da Capacitação, é um pouco decorrente da primeira, só que com objetivo mais prático, uma vez que busca instrumentalizar os servidores com ferramentas presentes na internet e disponíveis de forma gratuita, ou quase, também chamadas de ferramentas sociais, pelas quais se podem usar desde recursos de vídeo para montagem de tutoriais para a autoinstrução, até a criação e execução de cursos e oficinas presenciais de capacitação.

Para um bom programa de capacitação neste segmento, recomenda-se ter como princípio o “ensinar a pescar” e a formação de criadores e reprodutores desses conteúdos. Para tanto, as ferramentas são apenas ferramentas, não um fim em si mesmas, mas recursos que devem ser usados para facilitar a solução e não “ser a solução”.

É preciso que os fundamentos e técnicas estejam próximos das ferramentas, como se uníssemos conceito e prática. Quando falamos aqui sobre as ferramentas, estamos cientes que a evolução de cada aplicativo ou até mesmo sua substituição por outro mais moderno é um caminho comum .

Assim, organizamos a seguir um quadro referencial para a Capacitação em Inovação, que pode orientar o programa em termos de conteúdo a ser oferecido nesta dimensão. Um programa básico, ou até menos que isto, porém de rápida inclusão em programas de capacitação, visto que a curva de aprendizado é potencializada em cada bloco de conhecimento e conteúdo:

CAPACITAÇÃO
CONTEÚDO
TÉCNICA/FERRAMENTA
Básico – Fundamental
Conceitual sobre Gestão de Conhecimento e Inovação, com apresentação de técnicas e cases.
Aulas expositivas. Incluir a disciplina nos cursos da organização.
Básico – Avançado
Experimentação de Técnicas de GC&I, como brainstorm, story telling, lessons learned etc.
Oficina de Criatividade com ferramentas de Mapa Conceitual, PodCast e VideoCast.
Captação e Triagem de Informação
Experimentação de ferramentas de busca e filtros inteligentes de informações perenes e noticiosas.
Oficina Hands On contemplando ferramentas Google, Twitter e repositórios acadêmicos.
Idealização e Criatividade
Utilização das técnicas das Oficinas anteriores, adicionando prototipagem de soluções sobre temas reais e locais.
Oficina Hands On aplicada e técnicas do design de serviços/design thinking
Publicação e Compartilhamento
Criação de publicações na web e aplicação dos conceitos de inteligência coletiva e crowdsourcing
Oficina Hands On sobre blogs, wikis, vídeo e ambientes compartilhados
Redes Sociais e Inovação Aberta
Formas de aproveitamento das redes sociais no desenvolvimento de projetos, Yellow Pages, gestão de projetos, inovação aberta etc.
Oficina Hands On de redes sociais, com montagem de um ambiente criativo de relacionamento, gestão e monitoramento.

Um fator importante nessas iniciativas está em monitorar suas metas e efeitos, por exemplo, amarrando o conteúdo de uma oficina ou curso à criação de um projeto de implantação imediata, que tenha por fim a inovação local. Mesmo que de curta abrangência e prazo, um projeto resultante da capacitação é mais estimulante e confere ao curso maior aplicabilidade.

A dimensão seguinte, muito embora todas sejam praticamente concomitantes, dedica-se à Tecnologia da Inovação, no sentido de prospectar novas técnicas e ferramentas, a fim de testá-las, com foco de aplicação na área pública. Uma vez adequada, pode-se divulgar resultados e recomendações tanto nas oficinas, quanto nos blogs e eventos de divulgação do programa.

É uma dimensão de ação interna, no sentido de quem faz a gestão do programa de inovação, mas também externa, na busca de novas ferramentas e divulgação de resultados.

Como temos um mercado de produção tecnológica que produz em grande velocidade, tanto equipamentos quanto aplicativos e softwares baseados em web, torna-se importante que o programa de inovação esteja atento ao que essas tecnologias podem provocar em termos de aprimoramento incremental ou mudança disruptiva nas ações de governo, especialmente em serviços públicos.

Um Laboratório de Inovação em Governo pode ser criado para efetuar essas prospecções e estudos, podendo inclusive atrair parcerias do meio acadêmico e empresarial,  ou ainda startups de negócios sociais, para que se façam estudos de campo em ambiente real do serviço público, que sejam testadas novas técnicas e métodos, além dos instrumentos tecnológicos.

É imprescindível, entretanto, que todos os trabalhos de prospecção, benchmarking, testes de campo, provas de conceitos e afins, sejam publicados através de site, blog ou comunidade, de modo a permitir a colaboração, a compreensão dos processos e a inovação aberta.

Alguns desafios tecnológicos em governo estão caminhando para a busca das seguintes metas:
·         Integração de bases de dados
·         Mecanismos de busca mais eficientes
·         Publicação de dados governamentais em formato aberto
·         Aumento de serviços eletrônicos integrados
·         Concepção e implantação da nuvem governamental

Propostas que endossam essas metas, fazem-nos apostar na tendência daquilo que Tim O’Reilly, o criador do conceito de Web 2.0, chamou de O Governo como Plataforma, e Tim Bernes-Lee cunhou como Web Semântica, apontando para produtos como o Governo Aberto, a web semântica em governo, multicanais de informação e transação com o governo, sistemas e aplicativos de  georeferenciamento transformados em serviços, crowdsourcing, negócios sociais e outras iniciativas que aproximam governo e cidadão na solução de problemas comuns.

A quarta dimensão talvez seja a mais desafiante - e com certeza, a mais prazerosa - é a de Projetos de Inovação. Se já existe um reconhecimento de áreas ou projetos que estejam minimamente preparados para assimilar e incluir inovação em suas práticas, é aqui que começamos a fazer funcionar.

Trata-se de criar um ambiente incubador de soluções inovadoras para problemas reais do governo, para o qual se recomenda o uso de metodologia que permita a prototipagem, o envolvimento dos prestadores de serviços e seus usuários e, enfim, a formulação conjunta e colaborativa de projetos inovadores.

Atualmente nossa abordagem favorita e mais próxima para esse fim é a de Design Thinking ou Design de Serviços. É importante também que a Incubadora de Projetos de Inovação, dedique-se à solução com foco no usuário do serviço de governo.


Por fim, estabelece-se uma dimensão que mistura o monitoramento e controle dos fatores de sucesso das dimensões anteriores, desenvolvendo métricas específicas para essa avaliação: a Governança. É por esta dimensão que cria-se um olhar do todo, um cenário das ações de inovação e que podem ser compartilhadas para todos os envolvidos, além é claro de estabelecer regras de apoio aos projetos incubados. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cinco Princípios para Novos Serviços Públicos. Terceiro: o Governo como Plataforma

A ideia de Tim O'Reilly ao criar o termo e a abordagem de Governo como Plataforma, foi dar uma perspectiva de valor de patrimônio e de uso aos dados governamentais. Inicia explicando que as plataformas seguem uma lógica de alto investimento, onde praticamente só o Estado é capaz de investir, mas permitem à população, ao utilizarem essa plataforma, gerar riquezas. Temos um claro exemplo ao pensar em uma rodovia como esse investimento. O governo a constrói, mas a entrega aos usuários para trafegarem seus produtos, serviços, passageiros, estimular turismo e economias integradoras etc.. Em outras palavras, uma plataforma rodoviária do governo, mesmo em concessão, será usada pela sociedade, mesmo a custo de pedágios. O mesmo serve para plataformas digitais. O governo americano durante a gestão Reagan, em 1983, tornou disponível ao mundo o Sistema de Posicionamento Global - GPS. A partir do uso mundial dessa plataforma podemos calcular quantos outros produtos e serviços foram gerado...

Cases de Design Thinking em Serviços Públicos fora do Brasil

É comum que me perguntem sobre cases de uso do Design Thinking pelos governos brasileiros, sejam municipais, estaduais ou federais. Há um certo "ver para crer" na pergunta, mas há também a necessidade de mostrar aos outros, incluindo chefes e tomadores de decisão, que existe um caminho mais promissor e realizável para tratar os desafios de hoje. Minha experiência aponta mais para aquilo que fazemos no Governo do Estado de São Paulo, desde 2010, quando adotamos o DT como abordagem metodológica para entender a complexidade e resolver problemas com foco no cidadão. Nesse período vimos crescer a utilização em grandes empreendimentos como Poupatempo, Metrô, Secretarias da Fazenda, de Desenvolvimento Social e da Educação. Alguns outros exemplos e cases nacionais no setor público podem ser encontrados na Tellus , que tem atuado bastante em prefeituras e especialmente nas áreas de saúde e educação. Mas neste post quero apenas apontar para alguns links daqueles que trabalham e...

Laboratório é problema, mas a governança ajuda a resolver

É preciso considerar que um laboratório de inovação pode atrair pessoas que desprezam as regras, não tanto por rebeldia, mas como um estilo de vida, um espírito independente que busca ocupar um espaço. O lab será visto como um oásis – ou miragem – no deserto de novas ideias das corporações. Em parte isso é justificado pela aura de criatividade que envolve o novo ambiente ao transmitir uma mensagem de liberdade, com suas técnicas de ideação que estimulam a distância dos valores burocráticos e, claramente, a palavra disruptura que carrega um certo rompimento com padrões. Isso cria alguns problemas iniciais para a organização que começa o funcionamento do laboratório, tais como: se outras organizações participarão do laboratório, alguns ajustes serão necessários; a segurança física/predial pode ser fragilizada com a presença de “gente de fora”; a segurança digital terá que se adequar ao ambiente de acesso irrestrito e wifi; os horários de funcionamento podem sofrer mudan...