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Vicente Matheus, Yogi Berra e o Futuro

Embora Vicente Matheus e Yogi Berra provavelmente jamais tenham se conhecido pessoalmente, ambos notabilizaram-se não só pela sua atividade profissional, como pelas frases folcloricas que perpetravam.

As tiradas do saudoso presidente corintiano, e algumas outras a ele atribuídas, são hoje clássicos do anedotário brasileiro.

Da mesma forma, Yogi Berra, um dos maiores jogadores de baseball de todos os tempos, atualmente com 86 anos, também ficou conhecido pela suas frases de duplo ou sem sentido, todas muitos gozadas.

As semelhanças não param aí. Em ambos os casos, em ao menos uma ocasião, o descompromisso de suas frases tornaram-se vaticínios, ainda que involuntários.

Nela se encaixa a imortal tirada de Vicente Matheus, “Agradeço a Antártica pelas Brahmas enviadas ao Parque São Jorge”, que antecedeu, em alguns anos, a então improvável criação da Ambev, empresa que fundiu as duas marcas concorrentes.

Já Yogi viu uma de suas frases, “The future ain't what it used to be”, que livremente traduzida significaria algo como “O futuro não é mais o que era”, ultrapassar os limites estritos do folclore e entrar para a seleta galeria das grandes profecias. Nada mais correto.

Por exemplo, durante a minha infância e adolescência, nos anos 60, o futuro estava associado a algo abstrato, longínquo, que pouco passava pela cabeça de quem estava planejando a própria vida. Era também sinônimo de fim das doenças e de tudo que era ruim. O mais bem acabado ícone desta visão era o desenho animado dos Jetsons, uma família feliz, em uma época sem problemas.

No mercado de trabalho, pelo menos até o final dos anos 80, o futuro também era pouco lembrado. Nossas ações eram quase que totalmente balizadas pelo passado. Trabalho era sinônimo de conseguir um emprego, as profissões mais desejadas eram as tradicionais. Na minha turma do colegial, por exemplo, lembro que quando a professora de português perguntou que profissão seguiríamos, as opções limitaram-se, em 99% dos casos, à engenharia e medicina. Quando eu falei que iria prestar vestibular para economia, foi uma gargalhada só.

Depois de formado, uma vez empregado, a demanda por cursos universitários de aprimoramento profissional, embora até existisse, era tímida. Uma só especialização, na maioria dos casos, nos garantia uma vida profissional inteira. Os profissionais de processamento de dados (na época não havia informática, e muito menos tecnologia da informação e comunicação) que ingressaram no mercado nos anos 60 e que trabalhavam com a linguagem COBOL, por exemplo, tinham garantida uma carreira inteira sem grandes sobressaltos.

A chegada dos microcomputadores, da Internet e a conseqüente viabilização da globalização, deu cabo a esse cenário de ciclos de vida mais estabilizados.

Hoje, as crianças tornam-se adultas mais rápido. O futuro vai sendo desenhando no dia a dia, confundindo-se com o presente. Nada se repete por muito tempo.

A preocupação com a sustentabilidade, inexistente até a pouco, ganhou força. Temas como aquecimento global, terrorismo sem fronteiras, novas doenças foram, pouco a pouco, pautando nossa vida. Com essa percepção, a idéia do planeta sem problemas passou de sonho à galhofa.

Trabalho e emprego estão se separando, e de forma litigiosa. O talento, antes abafado pela necessidade de grandes capitais, com a disponibilidade de tecnologias poderosas e baratas ganhou sua carta de alforria. Na sociedade atual, a empresa corre atrás do talento, invertendo, aos poucos, a lógica anterior. As redes globais de colaboração conformam novas modalidades de negócio, colocando em cheque modelos tradicionais.

Música, gastronomia, hotelaria, turismo, e diversas outras atividades ligadas ao entretenimento, antes pouco valorizadas pelo mercado, aumentam a cada ano a sua fatia na formação da riqueza das nações, principalmente daquelas mais inseridas na nova economia, pautada pelo conhecimento.

Por isso tudo, a educação, antes um evento discreto, além de repensar seus conteúdos e métodos pedagógicos, tornou-se uma necessidade continuada, dado que muito do precisamos saber hoje, estará descartado amanhã.

Yogi Berra, você realmente é o cara!

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